A violência no caminho: no Rio, o medo de quem vive na rua onde houve 17 mortes em 46 dias

A violência no caminho: no Rio, o medo de quem vive na rua onde houve 17 mortes em 46 dias

As notícias sobre as execuções fizeram com que a Araticum, na Zona Oeste da capital, ganhasse o apelido de Rua da Morte

A Rua Araticum (no centro da imagem) corta uma favela e é endereço de condomínios de alto padrão

A Rua Araticum (no centro da imagem) corta uma favela e é endereço de condomínios de alto padrão Genilson Araújo

O canto dos passarinhos e o verde nos arredores trazem uma sensação de tranquilidade à Rua Araticum, no Anil, na região de Jacarepaguá. A via fica às margens da Floresta da Tijuca. De uma hora para outra, no entanto, o silêncio pode ser rompido pelo barulho do vaivém de motocicletas, cada dia mais frequente, e até pelo som de tiros. De 28 de fevereiro a 14 deste mês, ou seja, em 46 dias, 17 pessoas foram assassinadas na via.

As notícias sobre as execuções, muitas em plena luz do dia, fizeram com que a Araticum ganhasse o apelido de Rua da Morte. Em um único dia, em 8 de março, oito pessoas foram assassinadas. Assustados com o aumento da insegurança, alguns moradores já puseram casas e apartamentos à venda, principalmente no trecho onde há condomínios de alto padrão. Num site de negociação de imóveis, na última quinta-feira, estavam anunciadas 63 propriedades.

Segundo o diretor da Sérgio Castro Imóveis, Cláudio Castro, a rua tem casas de luxo com piscina, além do conforto de clubes em condomínios privados, mas o mercado imobiliário ali está congelado. E pior: os preços despencaram. Os imóveis custam de R$ 1,5 milhão a R$ 3 milhões.

— Nossos corretores têm evitado ir de carro ao local, ou mesmo com pasta ou bolsa, incluindo ao famoso Condomínio Bosque dos Esquilos, onde já fizemos grandes vendas. A guerra local é uma realidade, e o mercado imobiliário de lá é uma de suas vítimas — explica Cláudio Castro.

Veja onde fica a Rua Araticum — Foto: Editoria de Arte

Veja onde fica a Rua Araticum — Foto: Editoria de Arte

Sem serviços

Moradora da Araticum há um ano e meio, uma funcionária pública que pediu para não ser identificada, como a maioria dos entrevistados, conta que buscou aquela região para fugir da violência:

— Eu morava na Tijuca. Vim para cá atraída pela tranquilidade. Tenho um filho adolescente e, agora, vivo preocupada quando ele volta da escola. Está bem complicado viver aqui. Os assassinatos assustam. Sabemos que não temos nada a ver com essa briga deles, mas há riscos. Alguns vizinhos já saíram daqui e estão tentando vender suas casas — contou ela. — Agora só se eu for para o Novo Leblon (condomínio na Barra), mas ainda não tenho dinheiro para isso. As autoridades de segurança pública têm que fazer algo. Estamos cercados — diz.

Quem são as vítimas assassinadas na Rua Araticum — Foto: Editoria de Arte

Quem são as vítimas assassinadas na Rua Araticum — Foto: Editoria de Arte

Para piorar a vida de quem vive no lugar, há serviços de entrega e motoristas de aplicativo que se recusam a entrar na Araticum, segundo moradores.

— Estou tendo dificuldades de chegar ao condomínio com carro de aplicativo. Noutro dia, tive que saltar na Estrada de Jacarepaguá e vir andando. Tentei explicar um caminho que não passa pela parte onde as “coisas” (mortes) estão acontecendo, mas o motorista não aceitou — relatou uma outra moradora do Bosque dos Esquilos.

As empresas i-Food, Uber e 99 responderam, por notas, que os profissionais avaliam os riscos dos locais onde prestam os serviços.

DHC investiga mortes

O motivo de tanta violência na Araticum, considerada uma rua pacífica até há bem pouco tempo, é que a disputa territorial travada entre milicianos e traficantes chegou por lá. Hoje comunidades do Campinho, na Zona Norte, passando pelas da Praça Seca, até as do Itanhangá são cenário de batalhas em que quadrilhas rivais se matam para assumir um mercado ilegal lucrativo: sinal clandestino de internet, venda de botijões de gás e cobrança de taxas de comerciantes e moradores, além do comércio de drogas.

Segundo o delegado assistente da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Leandro Teixeira, que investiga as mortes na Araticum, a milícia se instalou num trecho da via onde há uma favela. No entanto, o comando da maior facção criminosa do estado determinou que o chefe do tráfico do Complexo da Penha, Edgard Alves de Andrade, o Doca, tomasse a comunidade, o que deixaria a quadrilha mais perto de Rio das Pedras: berço da milícia e uma das maiores favelas da cidade. A facção também tem feito invasões na Gardênia, bairro na mesma região.

Teixeira adiantou ao GLOBO que já tem parte da quadrilha identificada, mas que busca mais provas. Entre as 17 pessoas assassinadas, a maioria é suspeita de integrar a milícia. Um deles é Hélio de Paulo Ferreira, o Senhor das Armas, que chegou a ser investigado no inquérito da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. As investigações até agora mostraram que pelo menos duas vítimas são inocentes: o mototaxista Guilherme Mota Ribeiro, 24 anos, e Ademilson Lana dos Santos, de 34, que teria se negado a entregar sua casa a traficantes.

A favela Araticum é apenas um trecho da rua, que começa na Estrada de Jacarepaguá, em frente ao shopping Park Jacarepaguá. Quem entra na via se depara com um clima de subúrbio que logo dá lugar a uma sequência de lojas e pequenos prédios empilhados, ambiente muito parecido com o das favelas da Muzema e Rio das Pedras. Passado o burburinho da comunidade, vem o trecho dos condomínios. Um deles é o Bosque dos Esquilos, que tem cancela na própria Araticum, mas, por ser logradouro público, os seguranças ficam com a função de abrir e fechá-la para todos.

O fim da via de quase três quilômetros dá acesso à Favela do Sertão, mesmo nome da estrada, onde há sítios, muito verde e cachoeira. Ela desemboca em Rio das Pedras.

Fonte: G1

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