Mateus Aleluia, referência da música negra brasileira, celebra 80 anos

Mateus Aleluia, referência da música negra brasileira, celebra 80 anos

Mestre dos ritmos legados pela cultura africana, Mateus Aleluia, indicado ao Grammy Latino em 2022, celebra 80 anos

Mateus Aleluia, cantor que resgata a África no Brasil -  (crédito: Divulgação/Vinícius Xavier)
Mateus Aleluia, cantor que resgata a África no Brasil – (crédito: Divulgação/Vinícius Xavier)
Responsável por explorar ritmos e culturas afro-brasileiras, Mateus Aleluia se tornou uma referência fundamental na história da música negra brasileira. No início da carreira, o músico integrou a banda Os Tincoãs, que conquistou o público e gerou visibilidade para Mateus, mas desde 1980 ele segue em carreira solo.

A religiosidade musical de Mateus Aleluia é singular e comovente. As composições são carregadas de poesia e unem a cultura do candomblé a outros cultos africanos.

O último disco do músico, Afrocanto das Nações, foi lançado em 2021 e rendeu indicação ao Grammy Latino de 2002 na categoria de Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa. No entanto, o reconhecimento de Mateus Aleluia não se limita ao universo musical. No início deste mês, o cantor recebeu a Medalha da Ordem 2 de Julho no grau de Comendador. O título integra as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil na Bahia e é entregue em reconhecimento à atuação de figuras em função das liberdades públicas.

Entrevista // Mateus Aleluia

A música te possibilitou conversar com gerações distintas e um público variado. Como o senhor lida com o fato de pessoas de todas as idades frequentarem os seus shows e ouvirem suas músicas?

Nós sempre partimos do princípio que vida é vida. Este tempo da idade é uma questão que nós criamos, porque o tempo por si só se sofistica, ele é soberano e soberana de todas as ações e nações. Em relação à idade das pessoas que acompanham o nosso trabalho, acredito que nós temos uma forma de pensamento que é de inclusão, um pensamento que permeia a mentalidade da criança. As crianças, todas elas, são inclusivas. Mesmo que briguem, depois elas encontram uma forma de estarem juntas, nós é que depois incutimos na criança uma moral de separação, mas a criança pela sua essência infantil é inclusiva. Nós acreditamos que fazemos uma música dentro dessa projeção infantil e é como se nós nunca deixássemos de ser criança, mesmo que tenhamos a idade que venhamos a ter.

Qual a importância d’os Tincoãs e como vocês deixaram um legado para a música brasileira?

O principal papel dos Tincoãs é ser os Tincoãs e se afirmar como grupo vocal harmônico dentro de uma linguagem cultural vinda de Cachoeira, uma terra ancestralizada, uma terra cuja base ritualística tem uma forte influência africana, tem uma forte influência das várias etnias indígenas e tem o contributo da cultura barroca. Os Tincoãs, de forma consciente ou não agiu trazendo à tona esta forma de coexistir musicalmente dentro da compreensão africana e indígena de que é a natureza o principal agente modificador do homem, que somos frutos do meio ambiente, somos meio ambiente, não somos observadores do meio ambiente. E, sobretudo, os Tincoãs trouxeram à baila a necessidade de preservarmos a natureza, ou seja, nos preservarmos. Nós cultuamos o respeito ao ar, ao fogo, à água e à terra, esses quatro fundamentos são a base consciente ou não do trabalho dos Tincoãs.

Como você vê o papel da música na transmissão de mensagens sagradas para o público?

A música em si, seja ela considerada sagrada ou não, ela é consagrada, ela é sacra, ela diz, leva o homem a uma dimensão que mesmo não estando preparado para a mensagem sacra, ela o eleva ao sagrado. Às vezes, o homem é que não entende porque ele está muito limitado pela moral, mas a música transcende. Transcende o papel moral da vida pois sendo a música uma manifestação espontânea da natureza, do universo, do cosmos, assim a música como natureza tem suas leis, regidas pela harmonia, pela melodia e pelo ritmo. Ela realmente tem o papel triangular de enquadrar o homem em uma perspectiva de inclusão e harmonização com o cosmo.

Como você identifica a presença da África no Brasil atual?

O Brasil atual se deu a conhecer por meio da colonização, por meio da violência que o Brasil sofreu através da subjugação do dono da terra, dos povos indígenas. Foi assim o Brasil que passou a ser conhecido lá fora com esse nome de Brasil. E a África é identificada aqui desde que aqui chegou. Chegou acorrentada, libertou-se — mesmo escravizada — aqui no Brasil, determinou seu legado cultural, artístico, científico, e desde quando a África aqui chegou logo ela tornou-se Brasil, hospedada na cultura, através da generosidade dos donos da terra, os povos indígenas. A África então encontrou seus caminhos mais profundos dentro das terras brasileiras. Como defendemos o princípio que toda cultura descende do culto, aqui surgiu uma confraria religiosa entre os africanos e os indígenas e dessa confraria surgiu o Candomblé de Caboclo. E tudo que a gente vê no Brasil hoje em dia a presença da África é marcante, no andar, no falar, no cantar, no comer. Sobretudo na Bahia, é por isso que falamos de uma forma carinhosa: que a Bahia é a terra da soberania do dendê, Salvador cheira a dendê.

Em 2022, você foi indicado ao Grammy, como você tem lidado com a fase atual da sua carreira? Está trabalhando em algum novo projeto?

Apenas cumprimos nossa missão, nosso trabalho é esse. Procuramos cada vez mais ter identidade com a natureza, com o cosmo, universo, para que eles nos segredem um pouco da sua sensibilidade, pois à medida que ela percebe que pode confiar um pouquinho em nós ela nos segreda algumas coisas para que nós possamos continuar fazendo aquilo pelo qual ela nos pôs nessa dimensão.

Fonte: Correio Braziliense

Comentários Facebook

Compartilhe esta postagem